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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Segundas escolhas

Olho em volta e assisto a um fenómeno recorrente: pessoas solteiras ou divorciadas ‘encaixam’ com a primeira pessoa que aparece, desde que esta se mostre disponível para se dedicar a elas. É uma espécie de jogo das cadeiras, a ver quem é que se aguenta mais tempo sem ficar de fora. Hoje em dia, estar só, no sentido de não ter uma relação amorosa, ainda é um handicap; é como se uma pessoa tivesse perdido a sensibilidade nos dedos de uma mão por causa de um desastre de carro ou a Natureza a tivesse privado de três quartos da audição.

Não ter alguém acaba por funcionar como uma espécie de estigma de solidão e de abandono, qual carta transviada de um baralho extinto. E, com o tempo, quase se assemelha a uma doença crónica. Finalmente, quando alguém aparece, amigos e família rejubilam porque ter alguém representa uma conquista, uma vitória, um troféu que se exibe em reuniões familiares e eventos sociais.

É CLARO que é óptimo ter alguém, mas não por estes motivos. Não há nada melhor do que acordar todos os dias de manhã, olhar para quem ainda dorme na almofada ao lado e sentir aquele conforto de sabermos que amamos alguém que também nos ama.

E quando chega o fim do dia, depois do trabalho, do trânsito, dos imprevistos e de todas os pequenos nadas que nos carregam a existência, é bom ouvir o ruído tranquilizador da chave à porta. Essa chave significa que o nosso alguém também teve um dia cheio de pequenos dramas quotidianos e que, no regresso a casa, tem tanta vontade de descansar da vida lá fora como nós.

Mas isso só é mesmo bom se quem estiver ao nosso lado não for uma solução de recurso, uma substituição preguiçosa, uma segunda escolha. Não basta que seja boa pessoa, que vele por nós, que nos faça companhia e nos troque as lâmpadas e a água ao cão. É preciso mais e melhor.

É preciso que esse alguém seja quase tudo na nossa vida e não apenas uma presença passageira que nos distrai mas não nos alimenta, como uma comédia romântica ou uma casa de Verão alugada ao ano. É preciso que o conforto e o prazer se misturem nas doses certas: só prazer, cansa. Só conforto, entedia.

AS SEGUNDAS escolhas podem trazer-nos a ilusão da segurança, mas se o coração, a cabeça e o estômago não estão lá por inteiro, mais tarde ou mais cedo, a miragem ganhará contornos daquilo que é: a projecção torpe de uma quimera sonhada. E quem escolhe por defeito – por medo da solidão, por pensar que não merece melhor, porque não quer sentir-se a tal carta do baralho extinto –, mais cedo ou mais tarde, será obrigado a enfrentar os seus próprios fantasmas.

Não acredito em segundas escolhas, nem acredito que elas nos tragam a verdadeira paz. Uma paz conformada não resiste muito tempo ao desafio de uma nova guerra. E, para quem não sabe estar só, o melhor é ir aprendendo. Mais vale só do que acompanhado por um alguém qualquer que tanto podia estar ao nosso lado como ao lado de outro alguém. Refugo, só nas lojas de velharias.



Margarida Rebelo Pinto

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