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quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Alimento da alma

A idealização é um dos maiores alimentos da alma. Ao idealizarmos alguém, estamos não só a colocar o nosso objecto amoroso num pedestal, como nos pomos a jeito para a autopromoção; se o outro é, afinal, assim tão excepcional, é porque nós também somos. Nisto as mulheres são muito menos modestas do que os homens. Enquanto eles quase sempre sentem que não estão à altura de servir uma deusa, nós acreditamos quase sempre que somos as melhores do mundo. Ou seja, o amor provoca-lhes inseguranças e obriga--os a reconhecer as fraquezas ao espelho, ao passo que nós inchamos como balões sempre que pensamos que estamos a ser amadas.




A lição a tirar é que devíamos aprender a ser mais modestas, aceitando que nem todos os homens têm de nos amar, ainda que nos desejem. Amor e desejo confundem-se e fundem-se nas cabeças masculinas com grande facilidade, mas isso não impede que uma coisa seja uma coisa e a outra coisa seja outra coisa. Se nos desejam ao mesmo tempo que nos idealizam, então isso já pode ser um caminho para o amor. Mas ainda não é, porque o amor pode nascer de uma idealização, mas não sobrevive eternamente na estratosfera do imaginário; quando chega o momento em que o balão começa e esvaziar e os defeitos de um e de outro ressaltam à vista, ou se opera uma descida graciosa do pedestal, ou este cai como um castelo de cartas e ficamos reduzidos a pó, cinzas e quase nada.


A passagem do sonho para a realidade é dura e por vezes amarga. «Ele, afinal, fuma muito, ressona e esquece-se sempre de deitar a roupa suja no cesto», resmunga ela com as amigas. «Ela, afinal, nunca quer jantar fora e quando chego a casa tem a mania de já estar de pijama», remói ele enquanto está parado no trânsito.


O grande truque talvez esteja em nunca deixar de idealizar. Pensar que o outro pode melhorar nos defeitos que mais nos irritam. Mas para que isso aconteça, é preciso dizer-lhe o que sentimos, porque é que isto ou aquilo nos incomoda, em vez de deixar acumular a frustração até que esta nos devore a existência. Pelo sim, pelo não, mais vale falar. «Gosto disto mas não gosto daquilo, prefiro que faças isto em vez de aquilo, conto contigo para seres assim e não assado». Até porque se não o fizermos, como podemos esperar que o outro adivinhe o que pensamos?

Segundas escolhas

Olho em volta e assisto a um fenómeno recorrente: pessoas solteiras ou divorciadas ‘encaixam’ com a primeira pessoa que aparece, desde que esta se mostre disponível para se dedicar a elas. É uma espécie de jogo das cadeiras, a ver quem é que se aguenta mais tempo sem ficar de fora. Hoje em dia, estar só, no sentido de não ter uma relação amorosa, ainda é um handicap; é como se uma pessoa tivesse perdido a sensibilidade nos dedos de uma mão por causa de um desastre de carro ou a Natureza a tivesse privado de três quartos da audição.

Não ter alguém acaba por funcionar como uma espécie de estigma de solidão e de abandono, qual carta transviada de um baralho extinto. E, com o tempo, quase se assemelha a uma doença crónica. Finalmente, quando alguém aparece, amigos e família rejubilam porque ter alguém representa uma conquista, uma vitória, um troféu que se exibe em reuniões familiares e eventos sociais.

É CLARO que é óptimo ter alguém, mas não por estes motivos. Não há nada melhor do que acordar todos os dias de manhã, olhar para quem ainda dorme na almofada ao lado e sentir aquele conforto de sabermos que amamos alguém que também nos ama.

E quando chega o fim do dia, depois do trabalho, do trânsito, dos imprevistos e de todas os pequenos nadas que nos carregam a existência, é bom ouvir o ruído tranquilizador da chave à porta. Essa chave significa que o nosso alguém também teve um dia cheio de pequenos dramas quotidianos e que, no regresso a casa, tem tanta vontade de descansar da vida lá fora como nós.

Mas isso só é mesmo bom se quem estiver ao nosso lado não for uma solução de recurso, uma substituição preguiçosa, uma segunda escolha. Não basta que seja boa pessoa, que vele por nós, que nos faça companhia e nos troque as lâmpadas e a água ao cão. É preciso mais e melhor.

É preciso que esse alguém seja quase tudo na nossa vida e não apenas uma presença passageira que nos distrai mas não nos alimenta, como uma comédia romântica ou uma casa de Verão alugada ao ano. É preciso que o conforto e o prazer se misturem nas doses certas: só prazer, cansa. Só conforto, entedia.

AS SEGUNDAS escolhas podem trazer-nos a ilusão da segurança, mas se o coração, a cabeça e o estômago não estão lá por inteiro, mais tarde ou mais cedo, a miragem ganhará contornos daquilo que é: a projecção torpe de uma quimera sonhada. E quem escolhe por defeito – por medo da solidão, por pensar que não merece melhor, porque não quer sentir-se a tal carta do baralho extinto –, mais cedo ou mais tarde, será obrigado a enfrentar os seus próprios fantasmas.

Não acredito em segundas escolhas, nem acredito que elas nos tragam a verdadeira paz. Uma paz conformada não resiste muito tempo ao desafio de uma nova guerra. E, para quem não sabe estar só, o melhor é ir aprendendo. Mais vale só do que acompanhado por um alguém qualquer que tanto podia estar ao nosso lado como ao lado de outro alguém. Refugo, só nas lojas de velharias.



Margarida Rebelo Pinto

Morte lenta

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.




Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.


Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.


Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.


Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.


Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.


Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.


Morre lentamente, quem abandona um projecto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.


Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforco muito maior do que o simples acto de respirar.


Estejamos vivos, entao!




Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalt